sexta-feira, 9 de março de 2012

A volta do verão (para o Clube da Leitura da Volta)


Naqueles anos de 2010 a 2030, muito havia mudado nas cidades, na cultura e especialmente no clima. Já se falava, próximo a 2012, que o mundo acabaria, mas, em 2012, o mundo persistiu em sua existência.

O que causou espécie, entretanto, foi o fato de que algo começou a mudar no clima da cidade do Rio de Janeiro de modo mais marcante. O verão se iniciara tarde e as águas de março chegaram pontualmente, trazendo frio e exigindo o uso de cachecol e meias de lã na cidade. Ainda não era outono e todos já percebiam que o frio se embrenhava nos orifícios de seus ossos, fazendo com que se recolhessem mais cedo em suas casas. Os chás, os chocolates quentes, tudo que trazia um pouco mais de calor àqueles buraquinhos dos ossos e das malhas de lã, foram se proliferando entre os cariocas, desacostumados às baixas temperaturas. Não é preciso dizer que o frio se intensificou ainda mais nos meses pertinentes. Em junho, por exemplo, a temperatura ficou próxima do zero no dia de São João, o que era fato raríssimo. Na região serrana, em alguns pontos isolados, deu no repórter que nevou. Noticiava-se a morte de mendigos nas esquinas. Nunca se vendeu tanto edredom como naquele ano.

O mais estranho de tudo – e isso os frequentadores de um sebo na Zona Sul da cidade, que se reuniam quinzenalmente para ler e escrever em conjunto comentavam com vividez em suas rodas de cerveja e chopp que se transformavam agora em rodas de chocolate quente e lareira na serra – foi que no final de 2012 e nos anos seguintes não houve verão. As confecções de roupas de praia chiaram, sem ter o que fazer. Cangas, chapéus de praia, protetores solares perderam a serventia. Janeiro não teve sol e as águas de março já não fechavam verão algum. Assim os anos correram, sem que os cariocas pudessem experimentar novamente o calor de 40 graus à sombra. Moradores de Bangu, onde era usual dar a máxima temperatura, e onde já se fritou um ovo no asfalto da Av. Ministro Ari Franco, puderam se sentir um pouco mais aliviados. O sufocamento causado por temperaturas acima dos 40 graus tornou-se quase uma lenda urbana. As pessoas se lembravam com nostalgia do tempo em que o verão existia. Os frequentadores do clube da leitura levavam para seus encontros ensaios, entrevistas, reportagens que giravam em torno da existência de figuras mitológicas de veraneio, mas muitos lembravam-se de férias na praia e juravam que aquilo tudo – calor, suor, vontade de praia, ar condicionado – existira com vigor há poucos anos atrás. Mas muitos já se esqueciam, tanto quanto já não se recordavam do tempo em que não havia a internet, o facebook e o twitter.

O assunto da mudança climática era o tema principal nos telejornais. Os meteorologistas nada entendiam e forjavam teses que mal e mal explicavam os destemperos do clima carioca. Ecologistas bradavam culpas, responsabilidades, medidas urgentíssimas. Os frequentadores do sebo de Copacabana escreviam contos cujos motes eram a vida invernal, as catástrofes climáticas, a vida interplanetária.

Foi somente no ano de 2032, que, em outubro, quando ninguém mais se lembrava o que era o horário de verão – extinto por decreto em 2014 – um calor abrasador se fez como há muito não se via. No jornal, anunciaram o dia mais quente do ano na cidade: 33 graus. O dia seguinte repetiu o calor e os cariocas correram às praias, comprando biquínis e sungas às pressas. Tinham de aproveitar aquela exceção climática que há muito não constatavam. As praias lotadas foram motivo de comemoração. Os frequentadores do sebo na Zona Sul marcaram um encontro quinzenal no quiosque na praia. Quando ninguém esperava, o verão chegou antecipado. O chão das ruas pelava, Bangu deu a máxima novamente. Foi anunciada finalmente a tão esperada volta do verão, que os clubinos-da-leitura, que se reuniam há quase 25 anos, agora mais idosos e experientes, comemoraram no dia 31 de janeiro de 2032, quando retornaram do recesso de fim de ano para ler seus contos coletivamente, no mesmo sebo, em Copacabana, colocando a temperatura do ar condicionado da loja no máximo e marcando o próximo encontro, excepcionalmente, de dia, em Ipanema, embaixo de alguma barraca, de preferência no Posto 9.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Alice de todos nós

Alice saiu correndo do conto da Danielle e caiu no conto do Guilherme. Por uma semana, ela queria viver de facebook. Ter amigos virtuais, conversas de chat, comentários sucintos sobre tudo e sobre coisa alguma, rodear-se de audiovisual no interior de seu micro-apartamento de 27 metros quadrados e mais um terço. Deixou pra lá as indecisões, as inspirações, as aspirações, deixou pra lá o que não se concluía para tirar muitas conclusões, todas elas via twitter de preferência. Queria ver os vídeos de youtube que adiara por meses, queria tirar a semana para si, seleta em seu tubo com ar condicionado, ao som de Tim Maia 1973.

Após uma semana, saiu correndo do conto do Guilherme e caiu novamente no conto da Danielle, porque queria agora alguma paz, e a sutileza de quem aguenta o descanso, de quem insiste na intimidade. Mas tinha saudades de seu autor anterior. Queria ser de ambos: de Danielle e de Guilherme.

Ficou sabendo, entretanto, que havia a Vivian. Alice quis experimentar um conto da Vivian, como seria? Seria indeciso, seria angustiado, seria lancinante? Saiu correndo novamente do conto da Danielle (o coração apertado), pegou a primeira à esquerda (a primeira à direita daria em Guilherme, e essa vereda ela já conhecia, intencionava novidades, ainda que poucas e dosadas) e caiu na Vivian, que não a deixou em paz um segundo sequer. Com a Vivian era assim, ela não dava uma trégua. Não passou dois dias e fugiu novamente, mas até que gostou, de longe.

Nostálgica de Guilherme, nostálgica de Danielle, ainda assim queria uma labareda na qual já não houvesse se queimado, uma umidade em que não tivesse escorregado. Pensou rapidamente, tentou se lembrar de todas as querelas anteriores que um dia acalentou, até ter o insight! Não, o que lhe convinha, agora e não depois, seria um quadrinho do Johandson! Ela queria o colorido de sua caricatura estampada qual espelho, precisava se ver de longe e de perto e entender-se eternamente, pois só nos traços de um desenho conseguiria levitar. O que Alice agora almejava era a rapidez e a graça boba, o pinote pintado. Queria mais de setenta curtis e uns quinze compartilhamentos.

(Essa postagem é de Johandson, é de Danielle Schlossarek e é também de Guilherme Preger.)