domingo, 29 de junho de 2014

Kafka: Por uma Literatura Menor (aventura textual e impressões de leitura)



É preciso dizer, para começar, que não sou deleuziana. Nem bacharel em filosofia. É preciso confessar que, por um bom tempo, torci o nariz para Deleuze e Guattari. Ou talvez para deleuzianos. Há alguns anos, no início da faculdade de psicologia, tivemos contato com Deleuze, que perpassa as ciências humanas. Seus textos e seus diálogos com Foucault e Guattari são usados por aqueles que querem pensar a saúde mental, as instituições, a psicanálise. Meu nariz torcido talvez se devesse à forma como me foi apresentado, há 10 anos. De lá pra cá, minha relação com o pensamento de Deleuze e Guattari não teve continuidade e foi ‘aos pingadinhos’.

Por motivos de força maior, entrei em contato com o livro de Deleuze e Guattari que saiu em nova edição pela editora Autêntica, em 2014. Trata-se de Kafka: Por Uma Literatura menor, com tradução de Cíntia Vieira da Silva e revisão de tradução de Luiz B. L. Orlandi. A leitura do livro me trouxe um início (não sei se posso me comprometer…) de uma ressignificação de Deleuze e Guattari dentro de mim. Não sei que lugar irão ocupar, mas uma simpatia (das grandes) cresceu, porque o texto, antes de tudo, aponta para uma produção de pensamento. Entenda-se tudo o que ali diz ou não, tenha-se lido antes qualquer texto dos autores ou não, ache-se fácil ou difícil, o livro permite uma leitura histérica (usando o termo psicanalítico, em provacação-brincadeirinha com os próprios autores, que dialogam incessantemente com a psicanálise, ainda que para dela caçoar), deixando de lado uma leitura obsessiva, isto é: não é preciso entender tudo, ou entender 70% do livro, ou 65%, vá lá, para que se prossiga na leitura e para que ela desperte interesse. Na verdade, o erro aqui é a ideia do entendimento. Prefiro, de novo, a ideia de produção. A leitura produz algo. Algo a se pensar, um estranhamento, uma vontade de retornar a Kafka, uma vontade de fazer o inventário do que, em Kafka, ainda não foi lido. Uma vontade de cotejar cartas, novelas e romances, seguindo o brilhante quarto capítulo em que os autores examinam cada um desses três elementos do que chamam de “máquina literária, máquina de escrita ou de expressão em Kafka” (p. 58). O exame minucioso das cartas é uma joia à parte dentro da joia maior do livro, o pacto diabólico que Kafka faz através delas. A leitura dessa nova edição aponta para a produção de uma nova visão de Kafka (e, para mim, pessoalmente, de uma nova visão de Deleuze e Guattari).
Continue lendo a resenha completa no Portal AMBROSIA.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Nenhuma metáfora

Volto a dizer. A minha pulsão é de vida. Mas há uma febre à espreita. Uma dor menos tímida. Arrepios avulsos. Um mal-estar cortejando a pele. E nenhuma metáfora.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Resenha de Estranhas Criaturas Noturnas, livro de Jozias Benedicto.



Li há poucas semanas Estranhas criaturas noturnas, livro de contos de Jozias Benedicto, que saiu em 2013, pela Apicuri. Há quem torça o nariz para a narrativa curta em literatura, como se fosse algo menor, como se o contista não soubesse escrever romance e se resignasse com o conto. Felizmente, em 2013, o Nobel de Literatura foi para Alice Munro, escritora de 82 anos conhecida por escrever somente narrativas curtas, mostrando que não há hierarquia entre narrativas. O livro de Jozias Benedicto, finalista no Concurso SESC de Literatura 2012/2013 - Conto, não deixa a dever a nenhuma narrativa longa.

O primeiro conto fornece uma senha dos personagens e situações que permeiam o livro. De um caderno de capa cinza traz uma lista de deveres que nos mostram, de modo cínico (e essa é a graça) que certas condutas razoáveis, saudáveis, corretas, que certos hábitos minuciosamente pensados e quantificados (“comer no máximo 5 ovos por semana”, “manter a regularidade diária no esvaziamento do intestino”) podem esconder outras condutas, tão obsessivas quanto, mas um pouco mais bizarras. 

Leia a resenha na íntegra no Portal Ambrosia.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

texto meu no blog do plástico bolha

novo texto meu no blog do Jornal Plástico Bolha. depois de 5 anos ou quase, here we go again. com vocês: segunda.

http://jornalplasticobolha.blogspot.com.br/2014/06/segunda.html

quarta-feira, 18 de junho de 2014

avaria

a minha pulsão é de vida. mas todo pânico é receio de uma avaria sem volta. toda angústia é um medo da falência múltipla de órgãos.

sábado, 14 de junho de 2014

Brócolis

Canoro é palavra bonita. Canoro: que tem som musical. Bonito também é chocolate  e tem gosto. Troglodita é bonita, mas difícil de falar. Gosto de rupestre. E chacoalhar. E linhaça. E liame. E caraminguá, com c como canoro, sendo que só é musical se forem moedas tilintando. Gosto da palavra palavra. E de verborragia. Hemorragia. Taquicardia. Picardia. Putaria. Enciclopédia. Lacustre. Tempestade. Chuvisco. Gosto de querosene. Berimbau. Bricolagem. Furúnculo não é mal. Ardósia serve. Relento, às vezes. Querubim é mais ou menos, mais pra menos que pra mais. Quermesse. Sacripanta. Escrotidão. Rabanete. Floresta. Brócolis. Pensando bem, brócolis é a melhor.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Palavrório (conto para o clube da leitura de 10 de junho de 2014)


Nunca imaginei os percalços de namorar uma mulher. Sofri no começo, no meio e no fim. Quatro anos em que minha voz já não é a mesma, tornei-me afônica de um modo surpreendente. Falamos tanto sobre nós duas que já não mais me reconheço. Por experiência posso dizer que namorar uma mulher é cansativo. Verborrágico.  Palavroso. Não no sentido de que as mulheres falam demais. Sendo eu mulher, não reproduziria estereótipos assim. Mas duas mulheres juntas precisam muito se explicar e nomear cada partícula de sentimento, cada minúcia de movimento, cada parcela de gesto. E o caso é que as mulheres (isso reproduzo, não é estereótipo) são profusas em sentimentos, ricas em movimentos, e o que mais sabem fazer são gestos.

Antes da Mércia, eu havia tido dois namoros estáveis, primeiro com o Carlos, cinco anos. Depois, engatei no Lucas, sem pausa pra respiração, e durou um ano. Com o Carlos e com o Lucas, foi totalmente diferente, e não só por características anatômicas e timbres de voz. Não havia discussões com eles. Rusgas. Conflitos. Não sei se eu concordava com tudo o que eles diziam, se eles acatavam todas as minhas ordens, ou se éramos tão maduros que íamos contrabalançando aqui e ali. Com Carlos e com Lucas, alavanquei o que se pode chamar de namoro com estabilidade, namoro serviço público. Em ambos os casos, o término foi também pacífico, quase uma exoneração em que as duas partes concordam.

No caso do Carlos, eu estava enjoada há meses, fui me distanciando e ele percebeu. Me ligou e disse que queria conversar. Fomos a um bar inteiramente novo, pedi cerveja, o que nunca fazia. A estabilidade dava mostras de seu fim. Ele iniciou dizendo que eu estava mudada. Eu aquiesci e tomei um gole de cerveja. Falei, enfim, que talvez estivesse mudada mesmo, mas não tinha certeza. Ele não hesitou antes de perguntar se eu queria um tempo pra pensar. Como nunca bebia cerveja, credito a ela minha resposta automática: sim. E mais ainda o alívio que senti ao me despedir. Ele estava ansioso para que eu estivesse mudada, hoje percebo. Com o Lucas foi diferente, ele me propôs o fim. Foi tudo repentino, mas igualmente estável e pacífico. Pelo telefone, disse que queria conversar. Eu deduzi o motivo, disse que não precisava. Como assim?, fez ele. Respondi que, se ele estava insatisfeito, era melhor que não nos víssemos mais. Ele ficou mudo do outro lado da linha, aposto que não esperava tanto pragmatismo. Estou falando sério, resolvi enfatizar. Você está bem?, ele perguntou. Mais ou menos, mas vou ficar, respondi, madura, estável, servidora pública de nós dois. E terminamos, sem mais palavras.

Com a Mércia, tudo foi diferente, do início ao fim. O começo foi uma declaração de amor que ela me fez gritando após sairmos de uma night gay em que ela me iniciara. Eu ria de chorar porque era tudo muito novo e divertido. Começamos ali, segredo de estado. Seguiram-se um ano de cobranças e conversas infindáveis, ela queria que eu dissesse tudo, que eu falasse os motivos de não assumi-la. Eu ficava horas falando que não tinha nada a dizer, no fim das contas terminava rouca, a boca seca, pedia pastilha. Tinha medo, não queria contar a ninguém, era simples, mas ela não entendia. Depois, quando assumi o namoro, os motivos de palavrório eram outros. E o final foi aquele horror que durou um ano de idas e vindas, uma discussão de relação que não tinha prazo pra acabar. Marcávamos cafés, sucos, tudo para discutir o que nós éramos, e quando chegávamos à conclusão de que já não éramos mais nada, os encontros eram para discutir o que havíamos sido, e quando percebíamos que era impossível dizer o passado, marcávamos para discutir o que pretendíamos ser, se nos cumprimentaríamos na rua, se nos telefonaríamos, se eu a bloquearia no facebook e vice-versa. Aquilo não terminava nunca e, nos interregnos entre os cafés, a discussão se mantinha por mensagem, ainda bem que eu não tinha whatsapp.

Estamos há dois anos afastadas. Eu a bloqueei no facebook, percebi o vício que tínhamos em nos explicar, em conjecturar tudo, em decodificar cada trecho de conversa antiga. Para tudo uma análise, uma pegadinha.

Há seis meses conheci Matias. O Matias é ótimo, meu terceiro homem plural. A gente marca de ir ao cinema e vai. A gente marca o japonês e vai. A gente faz uma piada e ri e depois para de rir. Sem assuntos, sem contendas, sem porquês. Até o início do namoro foi translúcido. Ele colocou, no facebook, que estava num relacionamento sério e me marcou. Eu fiz o mesmo. E nem falamos sobre isso depois. Simples assim.

festa óbvia



Uma festa óbvia com som alto e horrendo invade o silêncio musical do meu domingo. E eram meus (o domingo, o silêncio) dentro dos limites do apartamento. O apartamento, agora devassado, já não me reconhece mais, me escapou. Nem com as janelas fechadas a coisa funciona. E eu estava aqui porque não queria me relacionar com o mundo ou, ao menos, não com um mundo sonoro que não fosse da minha escolha. Mas meu plano deu errado.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Resenha no Ambrosia

Minha estreia no site Ambrosia é com um resenha-crônica, se posso assim chamar, ou indicação de leitura com parcelas autobiográficas, do livro do Deleuze e do Guattari, Kafka: Por uma Literatura Menor, edição de 2014. Perdoem-me filósofos e deleuzianos de plantão (não sou coisa nem outra), essa é apenas uma aventura textual. E o livro é muito bom!

http://ambrosia.virgula.uol.com.br/resenha-kafka-por-uma-literatura-menor/